terça-feira, 24 de dezembro de 2013

NATAL




        Natal... Na província neva.                                    Coração oposto ao mundo,
        Nos lares aconchegados,                                        Como a família é verdade!
        Um sentimento conserva                                        Meu pensamento é profundo,
        Os sentimentos passados.                                      Estou só e sonho saudade.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Alquimia das Palavras

A alcunha de “bruxo”, diz-se, Machado de Assis recebeu pela primeira vez de outro criador de mesma grandeza, Carlos Drummond de Andrade, que lhe dedicou um longo poema. :



A UM BRUXO, COM AMOR


Em certa casa da Rua Cosme Velho
(que se abre no vazio)
venho visitar-te; e me recebes
na sala trajestada com simplicidade
onde pensamentos idos e vividos
perdem o amarelo
de novo interrogando o céu e a noite.
Outros leram da vida um capítulo, tu leste o livro inteiro.
Daí esse cansaço nos gestos e, filtrada,
uma luz que não vem de parte alguma
pois todos os castiçais
estão apagados.
Contas a meia voz
maneiras de amar e de compor os ministérios
e deitá-los abaixo, entre malinas
e bruxelas.
Conheces a fundo
a geologia moral dos Lobo Neves
e essa espécie de olhos derramados
que não foram feitos para ciumentos.
E ficas mirando o ratinho meio cadáver
com a polida, minuciosa curiosidade
de quem saboreia por tabela
o prazer de Fortunato, vivisseccionista amador.
Olhas para a guerra, o murro, a facada
como para uma simples quebra da monotonia universal
e tens no rosto antigo
uma expressão a que não acho nome certo
(das sensações do mundo a mais sutil):
volúpia do aborrecimento?
ou, grande lascivo, do nada?
O vento que rola do Silvestre leva o diálogo,
e o mesmo som do relógio, lento, igual e seco,
tal um pigarro que parece vir do tempo da Stoltz e do gabinete Paraná,
mostra que os homens morreram.
A terra está nua deles.
Contudo, em longe recanto,
a ramagem começa a sussurar alguma coisa
que não se estende logo
a parece a canção das manhãs novas.
Bem a distingo, ronda clara:
É Flora,
com olhos dotados de um mover particular
ente mavioso e pensativo;
Marcela, a rir com expressão cândida (e outra coisa);
Virgília,
cujos olhos dão a sensação singular de luz úmida;
Mariana, que os tem redondos e namorados;
e Sancha, de olhos intimativos;
e os grandes, de Capitu, abertos como a vaga do mar lá fora,
o mar que fala a mesma linguagem
obscura e nova de D. Severina
e das chinelinhas de alcova de Conceição.
A todas decifrastes íris e braços
e delas disseste a razão última e refolhada
moça, flor mulher flor
canção de mulher nova…
E ao pé dessa música dissimulas (ou insinuas, quem sabe)
o turvo grunhir dos porcos, troça concentrada e filosófica
entre loucos que riem de ser loucos
e os que vão à Rua da Misericórdia e não a encontram.
O eflúvio da manhã,
quem o pede ao crepúsculo da tarde?
Uma presença, o clarineta,
vai pé ante pé procurar o remédio,
mas haverá remédio para existir
senão existir?
E, para os dias mais ásperos, além
da cocaína moral dos bons livros?
Que crime cometemos além de viver
e porventura o de amar
não se sabe a quem, mas amar?
Todos os cemitérios se parecem,
e não pousas em nenhum deles, mas onde a dúvida
apalpa o mármore da verdade, a descobrir
a fenda necessária;
onde o diabo joga dama com o destino,
estás sempre aí, bruxo alusivo e zombeteiro,
que resolves em mim tantos enigmas.
Um som remoto e brando
rompe em meio a embriões e ruínas,
eternas exéquias e aleluias eternas,
e chega ao despistamento de teu pencenê.
O estribeiro Oblivion
bate à porta e chama ao espetáculo
promovido para divertir o planeta Saturno.
Dás volta à chave,
envolves-te na capa,
e qual novo Ariel, sem mais resposta,
sais pela janela, dissolves-te no ar. 



domingo, 22 de setembro de 2013

Primavera


Faço de mim a primavera
Faço-me primavera
Fazes de ti primavera

Não é nas primaveras que os outonais florescem ... ?
...em meio às relvas, gramíneas, macias, 
...úmidas  tímidas ansiosas vorazes.
A brisa  se deixa brizar-se:
 a da  esperança,
                 de estar a chegar
                           o chegar ao paraíso.

Oxalá!   Iemanjá!














foto: trabalhos em metal expostos no aeroporto de BH carmen/2012

terça-feira, 11 de junho de 2013

arroz pra passarinho: MEMORIA

arroz pra passarinho: MEMORIA:   Memória Amar o perdido deixa confundido este coração. Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não. As coisa...

MEMORIA

  Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

sábado, 11 de maio de 2013

SE AS COISAS FOSSEM MÃES



Se as coisas fossem Mães             Sylvia Orthof


Se a lua fosse mãe, seria mãe das estrelas,
O céu seria sua casa, casa das estrelas belas.
Se a sereia fosse mãe, seria mãe dos peixinhos,
O mar seria um jardim e os barcos seus caminhos.
Se a casa fosse mãe, seria a mãe das janelas,
Conversaria com a lua sobre as crianças-estrelas,
Falaria de receitas, pastéis de vento, quindins,
Emprestaria a cozinha pra lua fazer pudins!
Se a terra fosse mãe, seria mãe das sementes,
pois mãe é tudo que abraça, acha graça e ama a gente.
Se uma fada fosse mãe, seria a mãe da alegria.
Toda mãe é um pouco fada... Nossa mãe fada seria.
Se uma bruxa fosse mãe, seria mamãe gozada:
Seria a mãe das vassouras, da Família Vassourada!
Se a chaleira fosse mãe, seria a mãe da água fervida,
Faria chá e remédio para as doenças da vida.
Se a mesa fosse mãe, as filhas, sendo cadeiras,
Sentariam comportadas, teriam “boas maneiras”.
Cada mãe é diferente: Mãe verdadeira, ou postiça, mãe-vovó, mãe titia,
Maria, Filó, Francisca, Gertrudes, Malvina, Alice, toda mãe é como eu disse.
Dona Mamãe ralha e beija,
Erra, acerta, arruma a mesa, cozinha, escreve, trabalha fora,
Ri, esquece, lembra e chora, traz remédio e sobremesa.
Tem até pai que é “tipo-mãe”...

domingo, 7 de abril de 2013

A Fome do Fogo.




 Anda a ler, vagarosamente, no ritmo do si-mesma, “Correspondências de Clarice Lispector”.
 Gosta de cartas. Tanto de lê-las quanto de recebê-las.
 Numas,  sujeito ,em outras, objeto. Vai de mim e volta para mim.
 São os lugares que ocupa: Ego mei mihi me me.
 Acha isso curioso.
 Lamenta o destino de quase todas as cartas recebidas ou remetidas.
 Quanto se perdeu ali?  Perdeu-se tanto!
 O fogo queimou? Não apagou?
 Apagaram-se pelo fogo as labaredas....
 Imagina-se lendo a linguagem das labaredas. Somente isso.
As labaredas, que  deseja traduzir, desconhecem  limitações da linguagem.
Limitações fronteiriças a um lugar outro, fronteiriço ao  incognoscível, ao estrangeiro.
Uma vez lhe foi dito: destruir as cartas  pela possibilidade de profanação.
E por assim ter pensado, fez delas um fogaréu , que até espanto  causou.
Não entendera ainda que só se profanavam os santos.
Queimou-se o sagrado  já sido?
Terá cometido heresia?
A fome do fogo: festança de fantasmas faceiros...
      (tão apenas e somente)

segunda-feira, 25 de março de 2013

O jarrinho





Levava eu um jarrinho
P'ra ir buscar vinho
Levava um tostão
P'ra comprar pão:
E levava uma fita
Para ir bonita.

Correu atrás
De mim um rapaz:
Foi o jarro p'ra o chão,
Perdi o tostão,
Rasgou-se-me a fita...
Vejam que desdita!

       Se eu não levasse um jarrinho,
Nem fosse buscar vinho,
                 Nem trouxesse uma fita
            Pra ir bonita,
              Nem corresse atrás
                  De mim um rapaz
                  Para ver o que eu fazia,
                    Nada disto acontecia.

Fernando Pessoa



sábado, 12 de janeiro de 2013

maria-farinha

21:26:31 sábado, 12 de janeiro de 2013
gosto palavras
o sabor  que tragam,
( a)os olhos
(a)os ouvidos
lábios
pele
assim
vento  e incenso ,
penumbra vaga lume
brilho de plânctum
brisinha de beira –mar.
E uma Maria-farinha a correr espaforida:
Uf uf uf ........ e encravar-se na maciez granulosa da areia..


sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

PAPO DE ANJO

_ São Damião era são damiinho
ou Santo Agostinho era um santo agostão?

_São Sebastião era um são sebastinho
ou São Valentim era um são valentão?

_São  Salomão era um são salaminho
ou São Balalão era um são balãozinho?

_São pelos São Paulos que os santos santinhos
ou são pelos São Pedros que os santos são são?

Brincadeiras de Anjo / Antonio Barreto / ilustrações May Shuravel

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

SociedadeO homem disse para o amigo: 
— Breve irei a tua casa 
e levarei minha mulher. 

O amigo enfeitou a casa 
e quando o homem chegou com a mulher, 
soltou uma dúzia de foguetes. 

O homem comeu e bebeu. 
A mulher bebeu e cantou. 
Os dois dançaram. 
O amigo estava muito satisfeito. 

Quando foi hora de sair, 
o amigo disse para o homem: 
— Breve irei a tua casa. 
E apertou a mão dos dois. 

No caminho o homem resmunga: 
— Ora essa, era o que faltava. 
E a mulher ajunta: — Que idiota. 

— A casa é um ninho de pulgas. 
— Reparaste o bife queimado? 
O piano ruim e a comida pouca. 

E todas as quintas-feiras 
eles voltam à casa do amigo 
que ainda não pôde retribuir a visita. 

Carlos Drummond de Andrade, in 'Alguma Poesia'

A SORTE

A Sorte

Eu vi a Sorte passando
e os bons fados repartia.
A quem pedia, não dava,
e dava a quem não pedia...
__ E tive pena da Sorte,
que era ceguinha.... não via...



terça-feira, 8 de janeiro de 2013


Encaixotando livros.  E deixar virem as ideias  com esse encaixotar a brincar. No entanto, urge bem lá no íntimo O desejo de Desapego. Não de jogar fora, ou de esconder para sabe-se-lá- quando- achar- sem- procurar,( como queria Picasso:. “Não procuro, acho!”Verdade dita pelo gênio é também a verdade singular de cada um. E será? que cada um sabe mais do que ninguém achar a própria verdade nua, cru, translúcida?.(Há sempre que se deixar um lugar para a Dúvida).Um desapego reinventado....
Talvez queira chegar longe demais.
Não apenas um longe que se da ver.
E sim, o mais longe, que ainda não se deixa ver.
Pregnância-  preguiça. A trilha dos desapegos se insinua sinuosa.
terça-feira, 8 de janeiro de 2013